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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Sobre gritos e silêncios

Era o dia mais triste da minha vida. Eu acabara de perdê-la. Acabara de receber a notícia, acabara de tocar a sua mão fria e estática. Morta. E então veio a dor. E com ela a sua caixa de Pandora repleta de tristezas, de agruras, de tormento e de vazios retumbantes. Colei minha testa no vidro da UTI, minha boca ao mundo, minhas mãos ao vento e soltei os pedaços do coração que batia e apanhava, na ânsia de sobreviver e morrer, ao mesmo tempo, como quem se debate debaixo d'água e tanto afunda quanto nada. E então veio o grito. Alto, pungente, agudo e imperfeito. Experimentei a agonia mais intensa, como se mil punhais flamejantes transpassassem o meu corpo e arrancassem de mim tudo o que sou e sei. E foi então que eu o vi. Calado, sentado num canto, envolto no silêncio denso feito névoa que ecoava de sua tristeza. Minha dor gritava, urrava, esmurrava e chutava tudo ao redor. Saía pelos poros, vazava da boca e dos olhos, transbordava o coração e a alma. Minha dor era trovão e a dele mudez. A dor dele era intangível, imensurável. Enquanto a minha explodia, a dele descia pela garganta, serpenteando entre o choro engolido e se instaurava lá dentro. Quieta, muda, latejante. Perigosa. Minha dor lutava para fugir, e a dele se escondia. Como um animal acuado, recostou-se de cabeça baixa e chorou. Chorou pra si, pra sua dor. Regou-a com suas lágrimas internas. Queria abraçá-lo, queria dizer a ele que tudo ficaria bem. Queria recolher as suas mãos entre as minhas e enchê-las de esperanças, mas o sentimento dele era isolado, era único, intocável. Imóvel, ele assistiu a minha dor correr. Correndo, eu mal vi a sua dor implodir. Enquanto a minha dor berrava para sair, esguichava e enchia o ar, a dele silenciava, crescia para dentro, implodia e estremecia, como se o magma incandescente voltasse para dentro da terra e ardesse em brasas até queimar tudo por dentro, para só então escorrer em lágrimas quentes pela face e formar o pequeno oceano negro de tristeza mútua que nos rodeava e nos separava. E assim passamos longos meses em busca de algo que jamais teríamos. Que nunca mais encontraríamos. Que nunca mais fomos.
Desculpe-me.



conto-homem-triste

"Água deve vir, diz a previsão. Vai nos alcançar sem qualquer rancor. Maré alta em mim. Água um dia brotará dos nós, em nós. Vai decantar. Lágrimas que fingem que não são mas são parte da enxurrada que virá, cheia de esquecer. Uma inundação por todo lugar porque se evitou. Maré alta enfim." (A Banda Mais Bonita da Cidade)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Sentia

Feliz 14 de março. Dia da poesia.



Há em mim aquela urgência do mundo
Aquele "tenho que fazer agora"
Aquela ânsia impulsiva que me impede de calar.
Mas há também aquela calma impaciente
Aquela dor e leveza de ser silêncio
De ser nula, de ser neutra, de não me ser
Porque eu sou muitas, sem ser nenhuma
Sou exatamente eu, com os meus sentimentos
Empresto-me, dispo-me de mim e sou outra
Sou alguém que eu sei, ou sou ninguém que eu saiba
Enrolo-me, desenrolo, desenvolvo e me perco
Eu escrevo, transcorro linhas, corro palavras
Cruzo pernas, colo corações, recolho lágrimas
Eu sou o que eu sinto, sentirei e sentia
Eu sou verso e prosa, sou a própria poesia



"O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir ser dor, a dor que deveras sente."

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Abandono próprio

Existe abandono maior do que abandonar-se? Abrir mão de quem você mais deveria amar no mundo? Essa foi a pergunta que mais me martelou os miolos naquela tarde de sexta-feira.
Creio ter sido por causa daquele homem cinza, que teima em aparecer no meu caminho. Como o que se suicidou na minha frente, muitos outros existem espalhados pelo mundo. O mundo é cheio de pessoas cinzas, que preferem a subvida. Eu gosto de viver por inteiro, sentir, sorrir, amar. O nulo não tem espaço em mim, mas teima em aparecer, talvez pra me mostrar o que eu não quero. Nem sempre a vida tem que ser decisão pelo melhor. O que não pode é ficar no impasse. Deixar de lutar. Creio nisso como forma absoluta de vida.
Mas que falta de educação a minha! Nem me apresentei. Pois bem, me chamo Luisa. É sem acento, por favor. Sou dessas pessoas cheias de animação que você vê. Dessas que esbanjam auto confiança. Por fora. Não é que eu seja falsa, ou finjida ou tente ser quem eu não sou. É o mundo que me enxerga de outra maneira. O mundo só vê a capa, a embalagem. Eu tô aqui dentro, em essência, escondida pelas cores e formas que tenho. Isso nunca me incomodou, exceto por um único fato: as pessoas nulas conseguem enxergar aqui dentro. Com seus olhares simples e indiretos, atingem quem se esconde em mim. Sua palidez me perturba, e eu me torno um deles. Um ser vacilante, quase apagado. E eu não gosto disso, nem consigo me defender. Tento sempre esconder esse abandono próprio que eu tenho, tão singular, mas tão plural quando compartilhado com eles.
Se eles soubessem como me desarmam, como me destroem, como me atingem... me incomodo com palidez. "Nulidade, nulismo" ou que nome tenha. Gosto do risco, aprecio a coragem de viver. De levantar-se todos os dias e enfrentar o novo sem planejar ou esperar. Vivo esse paradoxo intenso dentro de mim, sem saber como reagir ao desarme que acontece sempre que um olhar vacilante, choroso e acovardado pelas pressões sociais cruza os meus, pra se rebaixar depois. Dor alheia doendo bem fundo, em mim.

"Na madrugada sem papo, chuto uma pedra e era um sapo" - Rolo de Rezende

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Não sei definir o que é isso aí em cima.