sábado, 21 de novembro de 2009

Olhar perdido

Pra quem acompanha o outro blog tb (http://whygodwhyyy.blogspot.com), que começou pra ser um local onde eu postaria coisas bizarras que encontramos na net, e agora é um local pra fomentar a opinião da galera sobre diversos temas, em cima da minha opinião sobre algo, concordando ou discordando, já viu mais ou menos um pouquinho do assunto que vou abordar aqui hoje. Esse post tb será diferente, não será poema. Tenho estado intensamente em contato com esse sentimento de necessidade de escrever algo sobre pessoas de rua, desde o ocorrido com o menininho do brigadeiro, que aliás, volto a dizer, não era um garoto de rua. Então, eis meu texto. Sei que ele é algo que não tem o poder de ajudar a acabar com a miséria no país, mas quem sabe seja algo que mobilize você, que está lendo a fazer algo por quem precisa.

Olhar perdido

  Ando pelas ruas do centro velho da cidade, olhando os transeuntes. Vidas opacas que caminham pela calçada, que pulam os bêbados jogados no chão, que ignoram o fedor do canal que se mistura ao cheiro da cachaça, do esgoto, do corpo suado e sujo que se estende sobre o chão, com a barba por fazer onde se aninham pedaços de pão, migalhas de algum alimento doado. Percebo que eles mal se percebem pular o homem, é um gesto automatico, repetido diariamente. Fina arte de ignorar. Vacilo meu olhar para o outro lado. Dezenas de pessoas que vem e vão na avenida larga, com o coração estreito. Anoto mentalmente durante dias, detalhes de rostos, que maltrapilhos beiram meu caminho do trabalho até a faculdade, e percebo que são os mesmos. Ali funciona uma comunidade abandonada, bem no centro esquecido da cidade.
  Percebi que todo dia, o mesmo menino, que não creio ser mais velho do que eu, fica sentado na beira do canal em frente à arvore de galhos retorcidos, pedindo comida e cigarro. Quantas e quantas vezes ele já não pediu minha bolacha/misto/hot dog/suco??? Percebi que todos os dias, a mesma mulher senta na beira do canal, chorando, e que todo dia, uma outra mulher vem e tenta consolá-la. Vi que todos os dias dois homens brigam, e que essa mulher chora justamente porque um desses homens é o seu homem. Percebi que todos os dias, uma mulher bêbada faz coreografias estranhas num bar, e os homens ficam tirando sarro, e ela nem liga. Percebi que há muito mais por trás do que a gente vê. Quando olhamos pessoas de rua, vemos apenas a parte externa, vemos a sujeira, vemos roupas rasgadas, partes por depilar, pés para serem lavados e calçados, vemos apenas a capa, e esquecemos que são pessoas como nós. Que sentem sono, fome, angústia, medo, desejo, alegria, mal-estar, sede, raiva. Que, assim como nós, tem direito a moradia, alimentação, amor, carinho, saúde. Tudo bem que muitos acabam vivendo na rua por escolha própria, mas não nos cabe julgar isso, são seres humanos comuns, que precisam de ajuda para sobreviver. Sofrem todo tipo de violência, recebem todo tipo de desrespeito e desprezo, só porque não cheiram bem. Dane-se o cheiro ou a aparência, ali está alguém de carne e osso, que sonha, anseia, espera, faz. O centro velho de Santos pode ser muito mais deprimente do que já  é se olhado de perto. Há uma mistura de miséria e descuido. Como se fosse algo esquecido no tempo, algo que ninguém liga, dá mesmo essa sensação de abandono. Nunca gostei da cidade, sempre achei meio triste aquela parte, não gosto de ir por ali. Não que só existam pessoas de rua nessa parte do mundo, infelizmente há em todo canto, mas esse lugar, em específico tem o dom de me deixar triste. Talvez por passar ali todos os dias e sentir a dor de todos eles, dentro de mim. Talvez por ver todo dia a mesma cena e não ter mais esperanças de que ela mude. Talvez por sentir vontade de gritar socorro por eles. Não, não tô tentando me promover e dizer que eu sou foda e que, eu penso no próximo e vou me candidatar à presidência. Na verdade, é bem longe disso. Escrevo por sentir o peso da impotência nos meus ombros. Por sentir um nó na minha garganta ao caminhar por ali e ver vidas se acabando sem perspectiva. Por sentir nas mãos uma energia que quer mudar isso, mas sozinha é quase impossível. Recrutar pessoas para fazer algo, sim. Não dá pra continuar nesse conformismo da sociedade. Não dá pra conviver com esse peso no coração, que me afunda toda vez que olho pelas ruas e vejo olhares perdidos, encontrando os meus.


"Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais"


Ainda

sábado, 14 de novembro de 2009

Sentindo

Sentimentos à flor da pele. É tudo tão intenso, que se torna palpável, como se ondas se materializassem ao meu redor e me inebriassem, me guiassem, me protegessem e me guardassem do mundo que há aqui fora. Falsa sensação de segurança, de proteção, de coragem, estampando minha imagem. Casca de poder que me rodeia, escondendo no escuro sombrio e pegajoso minha alma e meu coração, frios e quebrados, jorrando silêncio.

Já não há palavras,
Já nao há gestos
Já não há mais esperanças
Mas ainda há sentimento
Ainda existe um coração que bate
Que sofre, que chora e implora
Ainda há a alma que clama
E os ouvidos que nada escutam
Pois ainda há também o silencio
E também ainda há a ansiedade
Contida e esmagada nas tentativas
Nos sons, na maneira, no pensamento
Já não há mais caminho
É só o pó na estrada
Mas ainda estão lá as pegadas
Passos dados que o tempo não apagou
Ainda há a lágrima que cai
Diariamente, mais uma vez, denovo
E já não há mais nada de novo
Do que essa dor tão conhecida
Vivida, exprimida, indecisa
E ainda há o gosto da perda
Amarga traição que baila no ar
E que deixa viva a memória dos momentos
Que nunca existiram
Mas foram sonhados.
Ainda há mágoa
Ainda há amor
Mas não há mais sonhos
E ainda resta dor.

"Tudo que sei é que você quis partir, e eu quis partir você, tirar você de mim, e eu demorei pra esquecer, demorei pra encontrar um lugar onde você não me machucasse mais..."