domingo, 25 de agosto de 2013

Inócua

Inócua

Transparente
Indiferente
Inexistente
Inconsciente

Era assim que eu me sentia
Quando na rua eu vivia
Dia e noite, noite e dia
Sem ao menos ser notada.

Achava que eu era toda errada
Que vivia assim, desbotada,
Sem cor, sem brilho, sem nada
Porque eu era indigente.

Meu passado intransigente
Me pegou assim, tão de repente
Que eu, tão tola, finalmente
Fiquei à mercê da sorte, largada

Perambulando pela estrada
Uma vida desgraçada
Pé sujo, roupa rasgada
Rezando e esperando pelo fim

Mas não veio tão depressa assim
Num borrão pintado com nanquim
Vejo o algoz que sorri para mim
E logo vem a violência

Anos de rua, virando inconsciência
Palavras afiadas, socos, dormência
Revelam a verdadeira aparência
Da existência sofrida, sem mãe, sem pai.


E meu sangue se esvai
Vida que vem e que vai, que vai
É o fim da linha, é a dor que sai
E meu corpo inerte, na pedra fria.

Agonia
Sentia
Vivia
Morria.





"E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego."

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Há pouco menos de 1 mês eu vi uma briga de rua. Não dessas cheias de socos e pontapés, entre pessoas que se estranham no trânsito. Não dessas entre crianças que se desentendem durante a aula e vão se acertar na saída. Era uma briga cheia de incoerências e injustiças, onde 3 pessoas atacavam uma 4ª pessoa, claramente em estado alterado.Tudo começou numa discussão entre 2 pessoas, cuja centelha eu não presenciei, mas eu estava lá durante o desenrolar do bate-boca. Um homem e uma mulher, ao que outra mulher tomou as dores do homem, e ainda neste ponto estávamos apenas com gritos e xingamentos, quando então um outro homem veio e empurrou a mulher que brigava primeiro, com força, e esta bateu a cabeça no chão e perdeu os sentidos. Sei que pode parecer demasiada, mas a sensação que eu tive, do ponto tão próximo onde eu estava, dentro do ônibus fechado e acompanhando a cena por mais de 3 minutos, foi de que ela perdeu a vida. Não sei se isso realmente aconteceu, provavelmente não, mas só sei que no segundo em que a cabeça daquela senhora moradora de rua encontrou o asfalto, eu encontrei também dentro de mim uma compaixão tremenda, que implorava para que ela não morresse. E perdi a capacidade de reação. No ônibus, todos perderam o fôlego, e ninguém conseguiu encontrar coragem para levantar e ir lá ver o que tinha acontecido. Eu não consegui.
Desde então estas cenas permeiam meus pensamentos e pesadelos. Frequentemente reencontro estes 4 personagens em minha mente, e todas as vezes, todas as benditas vezes, eu imploro pela vida dela. Não porque eu a conheço. Nem mesmo pelo desespero que eu sei que vou sentir quando as cenas se dissiparem. Não é por mim, é por ela. É porque eu me recuso a acreditar que a vida valha tão pouco, que temos motivos tão banais para tirar a vida de alguém ou até mesmo para agredir este alguém. E é também porque eu me recuso a aceitar que isso seja tão corriqueiro, e até mesmo banal. Eu me recuso a acreditar que nós nos acostumamos com a violência. Eu não aceito. Eu não me acostumo. E não quero acreditar que existem pessoas no mundo que já estão com o coração tão endurecido a ponto de querer achar justificativas. A vida vale mais. Nós valemos mais. Todos nós.